O Direito ao Diagnóstico Precoce e ao Atendimento Multidisciplinar no SUS: Cuidar é Dever do Estado

08/05/2025

Por Dra. Gicele Miranda Ribeiro – Advogada, mãe atípica, professora e Diretora de Apoio às Famílias e Cuidadores do Portal Azul

Receber o diagnóstico de autismo para um filho ou familiar é um momento que muda tudo. Como mãe atípica, eu sei que esse instante vem carregado de dúvidas, angústias e, ao mesmo tempo, da vontade imensa de oferecer todo o apoio necessário para o pleno desenvolvimento da criança. Mas, infelizmente, para milhares de famílias brasileiras, essa jornada começa com portas fechadas e promessas não cumpridas.

Embora o Brasil tenha avançado em leis que reconhecem os direitos das pessoas com transtorno do espectro autista (TEA), a realidade ainda é marcada por filas intermináveis, burocracia excessiva e escassez de serviços especializados no SUS. O direito ao diagnóstico precoce e ao atendimento multidisciplinar não é um favor do Estado – é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal e regulamentado por normas específicas, como a Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

A ciência já demonstrou que o diagnóstico precoce e a intervenção especializada desde os primeiros sinais são decisivos para o desenvolvimento da pessoa autista. Quanto mais cedo se começa, maiores são as chances de ganho de autonomia, de socialização e de qualidade de vida. No entanto, o que vemos é um sistema público de saúde que, em muitos lugares, ignora essa urgência.

Famílias esperam meses — e às vezes anos — por uma simples consulta com neurologista, psiquiatra ou psicólogo. Quando conseguem o diagnóstico, descobrem que não há equipe para iniciar a terapia. Ou, pior, são orientadas a buscar ajuda na rede privada, mesmo sendo de baixa renda. Isso não é apenas negligência — é uma violação de direitos.

Como advogada com especialização em Direito à Saúde e em Direito das Pessoas com Deficiência, reafirmo: o Estado tem o dever legal de fornecer diagnóstico, laudos médicos e terapias adequadas para pessoas com TEA. Isso inclui atendimento com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e profissionais de educação física adaptada, sempre com abordagem baseada em evidências — como a intervenção ABA, reconhecida cientificamente e com eficácia comprovada.

Famílias que não conseguem acesso por vias administrativas devem buscar suporte jurídico, seja por meio da Defensoria Pública, seja com advogado de sua confiança. A judicialização da saúde, embora não seja o caminho ideal, tem sido o único recurso de muitas famílias para garantir um direito que já está previsto em lei.

Enquanto Diretora de Apoio às Famílias e Cuidadores do Portal Azul, o meu compromisso é fortalecer as famílias, levar informação acessível e lutar por políticas públicas que respeitem a neurodiversidade. Ninguém deveria enfrentar essa jornada sozinho, muito menos ser impedido de cuidar de quem ama por falta de assistência do poder público.

Termino este artigo com um chamado: não aceite a omissão como resposta. Busque, informe-se, exija, lute. O cuidado com as pessoas autistas começa pelo respeito aos seus direitos. E cuidar, acima de tudo, é garantir dignidade.

Estamos juntos nessa caminhada.