Estudo aponta crescimento alarmante da desinformação sobre autismo no Telegram nos últimos cinco anos

Uma pesquisa conduzida por especialistas do Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com a Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil), identificou um aumento expressivo — superior a 15.000% — na circulação de desinformação relacionada ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) em comunidades do aplicativo Telegram entre 2019 e 2024.
A investigação analisou mais de 60 milhões de mensagens trocadas em cerca de 1.600 grupos e canais públicos voltados à temática, envolvendo mais de 5 milhões de usuários em 19 países da América Latina e Caribe. Desse total, aproximadamente 47 mil postagens foram classificadas como enganosas ou incorretas, alcançando 100 milhões de visualizações. O Brasil respondeu por quase metade desse volume, com 10.591 publicações que impactaram 1,7 milhão de usuários e somaram 13,9 milhões de visualizações.
Entre os conteúdos desinformativos mais recorrentes estão falsas promessas de "cura" para o autismo, com o uso de substâncias como dióxido de cloro, prata coloidal, azul de metileno e a aplicação de terapias sem respaldo científico, como a ozonioterapia e o eletrochoque de Tesla. No total, foram mapeadas 150 alegações pseudocientíficas associadas ao tratamento do TEA.
De acordo com o coordenador do estudo, Ergon Cugler, da FGV, a motivação para o levantamento foi a necessidade de compreender e alertar sobre os efeitos desse tipo de narrativa. "Como pesquisador autista e como organização liderada por pessoas autistas, sentimos a urgência de investigar esse fenômeno para alertar familiares de pessoas autistas, reunindo dados sobre como essas narrativas se espalham, quem são os alvos, quais os riscos envolvidos e o impacto direto na saúde e nos direitos das famílias", afirmou.
A pesquisa também chama atenção para o papel dos grupos conspiratórios na difusão dessas práticas. Um dos casos mais críticos é o uso do dióxido de cloro — classificado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como saneante, ou seja, produto de limpeza — que, segundo os pesquisadores, tem sido promovido inclusive para ingestão ou aplicação retal em crianças. No ano anterior, o Ministério da Justiça já havia notificado sites responsáveis pela comercialização da substância sob a falsa promessa de cura para o autismo.
Guilherme de Almeida, presidente da Autistas Brasil e coautor do estudo, destaca que os impactos vão além da saúde física. "Há o impacto econômico: famílias vendem o que têm para pagar por tratamentos falsos. Há o emocional: mães e pais se culpabilizam por causas inexistentes, como o Wi-Fi. E há o institucional: políticas públicas passam a ser pressionadas por lobbies que querem oficializar essas práticas", declarou. Segundo ele, "em um contexto de desinformação crônica, a dor vira mercadoria, e o cuidado, um produto de prateleira".
Atualmente, não há cura para o TEA. As evidências científicas apontam que fatores genéticos e ambientais estão entre os principais responsáveis pelo desenvolvimento do transtorno. O tratamento se baseia em terapias que buscam promover autonomia, desenvolvimento da comunicação e inclusão da pessoa autista na sociedade.
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